Arquivo do blog

28 de fev. de 2010

Condicionamento para a servidão ( texto de Ubirajara Passos)

DA MANSIDÃO E O EXERCÍCIO DO DOMÍNIO

Não há imagem mais representativa da meiguice do que um gato siamês ronronando, enroscado no seu colo. Mas lhe dê um forte beliscão e verá do que é capaz a fera em que se transformará a “doçura”! Entretanto, ao menos que tenha se tornado neurótico, devido ao convívio humano, o bichano jamais será visto mordendo ou arranhando alguém sem que tenha sido agredido, esteja em situação de perigo ou caçando a presa de que necessita para se alimentar (e aí, azar é do rato!).

A mais pura das verdades é que a agressividade é uma disposição de espírito plenamente natural e normal, desenvolvida ao longo da evolução natural, justamente com o intuito de preservar nossa vida e integridade física.

Entretanto, vivemos em uma sociedade onde a menor manifestação de desagrado, discordância, crítica e oposição a qualquer coisa ou a outrem são interpretados como um grave crime que deve ser punido com toda severidade. Especialmente se, no caso da agressividade verbal, esta não estiver revestida da hipocrisia sofisticada da linguagem polida (uma coisa é bradar “seu mentiroso” e outra afirmar, suavemente, “o senhor está faltando com a verdade”) e se manifestar na plenitude saudável da espontaneidade (não há coisa mais imperdoável para a ideologia do “bom comportamento” do que um sonoro e explosivo “vai tomar no cu” ou “vai à puta que pariu” – que, coitada não tem nada a ver com o caso).

Basta mesmo que o tom de voz se eleve algumas oitavas, ao defendermos um ponto de vista lógico, com convicção, diante de um interlocutor, para que caiam sobre nós as maiores reprimendas, dignas do mais odiado assassino apontado pela mídia!

O que normalmente é esperado (e está introjetado na mente da grande maioria dominada) é que sejamos mais dóceis e “obedientes” que o gato siamês! Não é por acaso que a ideologia que forjou a mentalidade profunda do Ocidente (o Cristianismo) recomenda nas palavras de seu “fundador” que se ofereça a outra face, caso levemos um tapão no rosto. E menos ainda é casual que, no primeiro livro da Bíblia (o Genêsis), o “pecado original” cometido pelo primeiro homem (cuja culpa teríamos herdado) seja a “desobediência”.

E o que ninguém se dá por conta é que a repressão da agressividade, e o louvor à mansidão, é justamente um dos pilares necessários à dominação dos que desfrutam o produto do suor de nosso trabalho! A primeira condição para que alguém se deixe escravizar, e para que se mantenha, sem qualquer risco, o sistema que permite aos parasitas dominadores uma vida de requintado e permanente ócio, é a disposição de conformismo dos dominados (pois o simples medo ainda resguarda uma possibilidade de reação).

Somente nos transformando em bem “educadas” ovelhas cumpridoras do “dever”, atormentadas pela culpa de qualquer transgressão às regras impostas, e obcecadas com a própria “compostura”, é que nossos donos podem usufruir seus privilégios à custa do rebanho humano, e exercer sua índole sádica sobre nossos lombos! Sem a colaboração do nosso conformismo e do nosso empenho em vigiar e reprimir os companheiros próximos que ousem não submeter-se (“a desobediência”) seria impossível a existência da exploração e da sociedade de classes!

E esse amestramento só se manteve, milênios a fora, na medida em que assimilamos e reproduzimos, geração após geração, a noção de que a agressividade não só é reprovável, mas doentia (o que nos faz padecer o auto-flagelo mental cada vez em que desejamos ser “rebeldes” e “mal-educados” frente aos senhores, seus chefetes, e a ordem vigente).

Quando, na verdade, nos tornamos animais pela metade, enfermos da auto-violentação, da interdição de um mais naturais e benfazejos instintos, sem cuja manifestação permitimos que nos seja impingida o permanente ataque ao nosso ser (mente e organismo) em prol da sacanagem refinada de uns poucos patrões e altos puxa-sacos de todo quilate (os chefes e chefetes pequeno-burgueses encarregados da função de feitores de escravos, delicadamente designada “gerência”).

Ubirajara Passos

Nenhum comentário: